segunda-feira, 15 de outubro de 2012


Quem acompanha a polêmica que se desenrola na França, pode estar se perguntando: por que, a essa altura, a prostituição ainda move tantas paixões? É uma boa pergunta, com muitas respostas possíveis. Se os argumentos contra o sexo pago são bem conhecidos e enraizados na sociedade ocidental, inclusive na brasileira, o debate francês tem sido uma excelente oportunidade para conhecer os argumentos a favor. Manifestos tanto de “trabalhadoras do sexo” como de intelectuais renomados têm invocado questões profundas do nosso tempo: até onde o Estado pode intervir na vida privada, ainda que supostamente “em nome do bem”, é uma delas.  
O estopim da polêmica foi uma declaração da ministra dos Direitos das Mulheres e porta-voz do governo da França, Najat Vallaud-Belkacem. Ela afirmou, em julho: “A questão não é a de saber se queremos abolir a prostituição: a resposta é ‘sim’. Mas temos de nos dar os meios de fazê-lo. Meu desejo, assim como o do Partido Socialista, é o de ver a prostituição desaparecer”. Aqui é preciso notar que ela usa o verbo “abolir”. A escolha é proposital: na opinião da ministra, assim como de parte dos socialistas e de parte do movimento feminista, a prostituição é uma forma de escravidão. Logo, não basta proibir – é preciso “abolir”.  
Aos 35 anos, bonita, mãe de gêmeos, Najat é dona de uma biografia interessante: nascida em um vilarejo rural do Marrocos, numa família de sete filhos, ela emigrou para a França ainda criança, formou-se em Ciências Políticas na badalada Sciences Po e tornou-se uma ativista dos direitos humanos. Assim que fez a declaração, tornou-se alvo de uma ofensiva das prostitutas organizadas, que saíram às ruas para protestar. Entre elas, uma francesa de 25 anos, pós-graduanda em Literatura, chamada Morgane Merteuil. Secretária-geral do Sindicato das Trabalhadoras do Sexo (Strass), prostituta que atende à domicílio em programas combinados pela internet , ela lançou em setembro um manifesto provocativo chamado: “Liberem o feminismo!”.  
Logo na abertura do texto, Morgane diz: “No meu emprego de recepcionista de um bar americano, eu rapidamente me dei conta de que, se eu quisesse ganhar mais de 20 euros por noite, eu teria que fazer sexo oral. Ao refletir, não vi nenhum inconveniente, preferindo fazer isso para pagar meus estudos do que tanto outros empregos piores”.  
Em seu manifesto, Morgane acusa as feministas de impor “uma imagem mainstream e burguesa da mulher”. Segundo ela, parte do movimento feminista construiu uma propaganda em torno de um ideal de dignidade e de um modelo de emancipação para a qual “todas as mulheres supostamente deveriam ser irresistivelmente atraídas”. Em contraposição, Morgane defende “um feminismo plural”, que acolha as diferenças entre as mulheres e compreenda que nem todas elas compartilham das mesmas aspirações. A Strass, que Morgane Merteuil representa, chegou a pedir a demissão da ministra Najat Vallaud-Belkacem. 
A prostituição tem sido um tema espinhoso tanto para a Esquerda quanto para o feminismo, ao longo da História. É emblemático que essas duas mulheres, a ministra e a prostituta, representantes de seus respectivos movimentos políticos, combatam em campos opostos, quando possivelmente estejam do mesmo lado na maioria dos temas de direitos humanos. Em especial, é bastante revelador que elas se digladiem em campos opostos, mas em nome de um mesmo ideal: a autonomia da mulher. 
Antes de continuarmos, vale a pena um parêntese: a prostituição é o ato em que uma mulher adulta vende sexo por escolha própria. Aqui ou na França, as prostitutas ficam furiosas quando se fala em “prostituição infantil”. “Não existe prostituição infantil”, elas dizem. “Se uma criança está transando por dinheiro, ela não está se prostituindo, está sendo estuprada.” Têm toda razão. Há várias violências ligadas ao ato sexual, sobre as quais não há nenhuma discussão: abuso sexual infantil, tráfico de mulheres etc. Estas são consideradas crimes na maioria dos países. Estabelecer essa diferença é fundamental em qualquer debate sério sobre o tema. 

Ao propor “abolir” a prostituição na França, o governo socialista reacendeu o debate, tão velho quanto atual, sobre a quem pertence o corpo da mulher

ELIANE BRUM

REVISTA ÉPOCA

5 comentários:

  1. Deisinha... Li aqui uma aula de Sociologia Moderna.
    Impressionante a qualidade do teu texto...
    muito bem escrito. Show de bola.. Assim sobe!

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  2. DEISINHA,sou seu mais novo seguidor e afirmo que essa ELIANE BRUM é uma jornalista (?) desinformada e nem mereceria estar aqui no seu excelente blog, creia.
    O jornalismo brasileiro , hoje está cheio disso, razão pela qual, nem mais diploma precisa ter para falar essas bobagens!
    Trata-se de "abolir" as causas que levam uma mulher a ter que se prostituir.

    Visite meus blogs.

    Boa ideia?

    Um abração carioca.

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